sexta-feira, 9 de março de 2012

Pier Paolo Pasolini

O poeta, romancista, filólogo e cineasta italiano Pier Paolo Pasolini completaria 90 anos na última segunda-feira. Brutalmente assassinado em 1975, os motivos de sua morte geram polêmica até hoje, sendo associados a um crime político ou a um mero latrocínio. Aliás, polêmica também é uma bom termo para definir a carreira de Pasolini, um verdadeiro provocador em sua natureza. Quebrou preconceitos, fez inimigos e gerou o choque entre opostos. Anti-fascista convicto, era filho de um soldado famoso por salvar a vida de Benito Mussolini. Apesar de ateu, Pasolini sempre promoveu em seus trabalhos o conceito de que o mundo em si possui uma sacralidade natural, um estágio que poderia ser atingido sem a necessidade de um guia espiritual. Esses conflitos de sua personalidade refletiriam como uma característica diferencial em suas obras. Pasolini ganhou prêmios nos festivais de Berlim, Cannes e Veneza, entre outros, e seu legado tem um caráter de permanente transgressão.



Aos 32 anos, Pier Paolo Pasolini começou sua carreira de cineasta, colaborando com Mario Soldati, Federico Fellini, e, principalmente Mauro Bolognini. Na primeira parte de sua obra, Pasolini mostrou um interesse particular pelo subproletariado da periferia das grandes cidades industriais, embora a visão que nos dá dos meios populares esteja singularmente transformada por um lirismo quase místico, para não dizer religioso. Seu primeiro filme, Accatone (1961), baseado em um romance escrito por ele mesmo, chamou a atenção. Mas seu primeiro escândalo viria com a produção seguinte, Mamma Roma (1962). O filme conta a história de uma prostituta que sonha em melhorar de vida para poder voltar a morar com o filho. Estrelado por Anna Magnani (de Roma, Cidade Aberta), Mamma Roma foi considerado uma afronta à moralidade, o que gerou protestos fascistas em sua estréia. Polêmicas à parte, o longa é valorizado pelos planos e angulações inspirados em obras de Giotto e Caravaggio, dentre outros artistas plásticos. Essa inspiração visivelmente se funde à obsessão de Pasolini pelo cristianismo na cena do casamento da prostituta, onde é recriado o quadro da santa ceia de Leonardo da Vinci.


Anna Magnani entre Ettore Garofolo e Pier Paolo Pasolini

A inspiração religiosa se manifesta de uma maneira ainda mais evidente em Il Vangelo Secondo Matteo (O Envagelho Segundo Mateus), de 1964, filme que tinha o objetivo de mostrar Cristo como um mito lírico-épico-popular visto através dos olhos do povo crente. Seguindo seu hábito e dando sequência às suas experiências neo-realistas, o cineasta recorreu a atores não profissionais e cenários naturais que marcam uma ruptura flagrante com a iconografia tradicional, dominada por imagens devotas e adocicadas da tradição religiosa. Os diálogos foram tirados diretamente da bíblia, pois, segundo Pasolini, a beleza poética do texto jamais poderia ser recriada, nem mesmo através de imagens. O diretor disse ainda, na época, que escolheu Mateus ao invés dos outros apóstolos porque “João era místico demais, Marcos era vulgar e Lucas era extremamente sentimental”. Quando questionado sobre o contraste de uma obra religiosa com a sua reputação de ateu, Pier Paolo Pasolini respondeu: “eu posso ser um incrédulo, mas sou um incrédulo que tem saudades de ter uma crença”.

cena de Il Vangelo Secondo Matteo

Mas o cinema de Pasolini também foi marcado por uma constante ligação com o arcaísmo prevalecente no homem moderno. Prova disso é a obra Teorema (1968), em que um indivíduo, vivido pelo astro inglês Terence Stamp, entra na vida de uma família e a desestrutura por inteiro. Metaforicamente, cada membro da familia representa uma instituição da sociedade. Foi a primeira vez que Pier Paolo Pasolini trabalhou com atores profissionais a cargo de protagonistas. Teorema analisa a sexualidade (e a homossexualidade) através de um duro realismo, tanto ao nível da linguagem como da imagem, o que gerou mais controvérsias por todo o mundo. O filme foi posteriormente adaptado para um romance pelo próprio Pasolini.

Pier Paolo Pasolini e Terence Stamp nos bastidores de Teorema

Em 1969, Medea, baseado na obra de Euripides, trouxe a cantora de ópera Maria Callas no papel principal. Embora não cante no filme, Callas tem suas feições impressionantes  registradas em diversos closes. Ela queria Richard Burton para interpretar Jasão, o amado de Medéia, mas ele recusou. O papel, então, foi dado ao italiano Giuseppe Gentile.

Maria Callas e Pasolini durante as filmagens de Medea

Em 1971, Pier Paolo Pasolini iniciaria sua Trilogia da Vida com Il Decameron (Decamerão), baseado no romance Decamerone, de Giovanni Boccaccio. Os outros filmes foram I Raconti di Canterbury (Os Contos de Canterbury, 1972) e Il Fiore Delle Mille e Una Notte (As Mil e Uma Noites, 1974). Sobre Il Decameron, o cineasta declarou: “Se olharem criticamente para o Evangelho e Il Decameron, verão que os dois filmes se assemelham muito; o estilo e a idéia dos filmes são o mesmo. Apenas o sexo ocupa o lugar de Cristo, é tudo, mas não é uma grande diferença”. Os três filmes são marcados pelo humor e pela ousadia, mas curiosamente seu erotismo é natural, despudorado e até primitivo. A trilogia foi rodada em locações autênticas; paisagens exóticas como Etiópia, Índia, Irã, Nepal e Iêmen. Além disso, Pasolini continuou trabalhando com atores amadores, muitas vezes até inexperientes, mas também deu lugar a artistas consagrados como Silvana Mangano, Geraldine Chaplin e Hugh Griffith. Aliás, em Il Decameron, o próprio diretor faz o papel do pintor Chaucer. A Trilogia da Vida permitiu a Pasolini formular de uma maneira mais precisa sua concepção cinematográfica e aprofundar seu interesse por uma cultura autenticamente popular. Para este fim, utiliza situações às vezes escabrosas, mas que se afastam muito das que explorava o cinema comercial da época. Sobressai assim uma poesia extremamente forte onde o acervo naturalista se alia a um lirismo muito sutil, o que marca a filmografia de Pasolini. Em um determinado momento da sua vida, o diretor renegou esses filmes, afirmando que eles foram apropriados erroneamente pela indústria cultural, que os classificava como pornográficos. A trilogia foi proibida nos Estados Unidos até meados da década de 1980 e no Brasil só foram exibidos após a abertura política.

Pasolini caracterizado como o personagem Chaucer, em Il Decameron

Sua última obra, Salò o le 120 giornate di Sodoma (Saló ou Os 120 Dias de Sodoma), foi classificada como o filme mais controverso de todos os tempos. Graças às suas cenas de intensa violência, sadismo e depravação sexual, o filme continua proibido em diversos países até hoje. Apesar disso é considerado uma obra-prima por cineastas como Martin Scorsese, Michael Haneke e Catherine Breillat. Em Saló..., o cineasta transpõe o romance Os 120 Dias de Sodoma, de Marquês de Sade, para os últimos dias da ditadura fascista italiana. Os ciclos da vida e do sexo associados à alegria, são expressamente rejeitados por Pasolini, que assim compõe um filme em ruptura com ele próprio. Saló... foi planejado para ser a primeira parte da Trilogia da Morte, ou seja, a antítese dos três filmes realizados anteriormente pelo diretor. Quando questionado sobre quem seria o público-alvo do longa, ele respondeu: “É um filme para todos. Para pessoas como eu”. Pier Paolo Pasolini foi assassinado em 1975, pouco antes do lançamento do longa.

Pasolini no set de Salò o le 120 giornate di Sodoma

Esbanjando cinismo e sarcasmo em suas produções, Pier Paolo Pasolini colocou sua obra à prova do tempo. Nem o passar dos anos é capaz de diluir o impacto visual e moral de seus filmes em diversas gerações de espectadores.

Um comentário:

  1. Muito bom seu resumo, percebo com certeza o diretor e a pessoa interessante que ele foi e pretendo com certeza conferir suas obras.

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