sexta-feira, 6 de abril de 2012

Weekend Movies: Titanic 3-D


Titanic 3-D
direção: James Cameron
elenco: Kate Winslet, Leonardo DiCaprio, Kathy Bates, Billy Zane


Assumo que, mais do que gostar do filme em si, valorizo o apelo nostálgico que Titanic tem pra mim. Lá pelos idos de 1997, eu tinha 9 anos e minha relação com o cinema limitava-se a exaustivas locações de VHS que alternavam entre a comédia (do tipo que hoje é chamado de clássico sessão-da-tarde) e o terror slasher. Isso até o dia em que, levado pela minha mãe, fui ao cinema assistir ao que todo mundo aclamava como "a maior febre já gerada por um filme antes": sim, tratava-se de Titanic. Não era a primeira vez que eu ia a uma sala de cinema, mas tenho certeza de que nunca minha atenção tinha sido capturada com tanta força por um longa-metragem antes. Seus 194 minutos passaram em um piscar de olhos e, nesse meio tempo, naveguei por uma série de emoções diferentes. Claro, cinema de entretenimento é pra isso. Eu não tinha embasamento ou um olhar mais crítico e técnico naquela época, tudo era uma questão meramente sensorial e eu simplesmente me permiti embarcar nessa viagem. A partir disso, meu relacionamento com o cinema nunca mais foi o mesmo. 

  
Embora eu tivesse me entretido bastante com Titanic, James Cameron conseguiu alertar-me de que cinema não é apenas a maior diversão. Havia algo por trás disso e que gerava todo o envolvimento que me manteve tão absorto em mais de três horas sentado, de frente para um telão. Fiquei ávido em repetir a experiência, o que me levou a criar o hábito de verificar as estréias no circuito de salas, a checar as fichas técnicas dos filmes, a ter um ator ou diretor favorito e a torcer por um filme no Oscar (assim como foi com Titanic na categoria principal e pelo casal de Melhor é Impossível, Helen Hunt e Jack Nicholson, ganhadores na mesma cerimônia). Enquanto as pessoas entravam na febre Titanic e iam ao cinema assisti-lo inúmeras vezes (o que fez com o que filme ficasse mais de um ano em cartaz no Rio de Janeiro), eu mergulhei de cabeça na arte cinematográfica em si e, consequentemente, me descobri infectado pela tal de cinefilia

 
Só assisti ao filme de James Cameron uma vez no cinema e outra no videocassete (quem não lembra do pacote de VHS dupla?). Talvez por isso, nunca me senti verdadeiramente enjoado dele, como tanta gente ficou. Pois é, cultura pop tem disso, as pessoas esgotam tal produto ao máximo e depois cansam dele e terminam reduzindo o seu valor. O tempo passa e muitos deles voltam a ser consagrados por uma nova geração. Quinze anos depois, Titanic retorna aos cinemas. Adaptado para a terceira dimensão justamente por aquele que, com Avatar, resgatou e aprimorou essa técnica que foi muito utilizada nos anos 1980: o mesmo James Cameron. Será que esta é a hora do filme sobre o naufrágio mais famoso do mundo ser valorizado de novo?


Particularmente, acho que ainda é cedo para se criar um novo público para Titanic. Já foi reprisado exaustivamente na TV aberta e a cabo, poucos são o que de fato não o assistiram. Os que ainda estão cansados do filme, dificilmente darão uma segunda chance a ele. Já os fãs, claro, não vão perder a chance de assisti-lo em 3-D. Os que gostaram, mas não consumiram avidamente na época, como eu, provavelmente também assistirão. Apesar de já ter quinze anos, o longa envelheceu bem. Todas as emoções continuam imersas: desde o irresistível envolvimento com o icônico casal de química perfeita formado por Kate Winslet e Leonardo DiCaprio até as eletrizantes sequências do navio afundando, que continuam capazes tirar o fôlego. E se a canção-tema interpretada por Celine Dion já era breguinha mesmo na época do lançamento, a potência da trilha-sonora de James Horner continua intacta. Curioso observar também que Kate Winslet já dava claros sinais de que se tornaria a grande atriz que é hoje (tanto que na época, foi indicada ao Oscar). Quanto a Leonardo DiCaprio, continuo achando que é um dos atores mais superestimados de todos os tempos, embora reconheça que ele já teve bons momentos em sua carreira (quando é dirigido por Martin Scorsese, por exemplo) e Titanic não se inclui necessariamente em um deles.

 
Apesar da fama de perfeccionista, James Cameron passa por cima dos furos e maniqueísmos do roteiro, que aliás, é bem simplório. De fato, a velha história de moça-rica-que-se-apaixona-por-artista-pobre já fora esgotada bem antes de 1997. O que salva Titanic do marasmo é justamente o potencial de James para fazer cinema de puro entretenimento. Quando ele quer, cria verdadeiras obras-primas do blockbuster como Aliens - O Resgate e O Exterminador do Futuro 2 - O Julgamento Final. Em Titanic ele não utiliza o seu potencial ao máximo, mas chega bem perto. O esmero na pilotagem dos efeitos especiais é facilmente identificável. James também se mostra hábil para gerar sequências memoráveis na primeira parte do filme, que se baseia apenas no romance e deixa a pirotecnia de lado. Como esquecer de DiCaprio gritando "I am the king of the world" na proa, o mesmo lugar onde depois ele sobe junto com Kate Winslet, na clássica cena em que ela abre os braços e diz estar voando. Assim como a brincadeira do cuspe à distância; ele desenhando-a nua, apenas com o colar de diamante; os dois dançando juntos na terceira classe. E, principalmente, a sequência onde o casal se encontra durante um jantar na ala dos ricos e que é re-utilizada de maneira ainda mais emocionante como a última cena do filme.


O efeito 3-D em si, pouco acrescenta, o que não é novidade se tratando de filmes que são feitos em 2-D e depois adaptados. Mesmo assim, como um verdadeiro clássico do cinema, a exuberância e a magnitude de Titanic são indestrutíveis. Não se esqueça de que ele mesmo nem precisou de terceira dimensão pra faturar quase 2 bilhões de dolares nas bilheterias e ainda por cima levar 11 Oscars de lambuja. Com ou sem os óculos especiais, ele ainda é diversão garantida.

sábado, 31 de março de 2012

Weekend Movies: Heleno


Heleno
direção: José Henrique Fonseca
elenco: Rodrigo Santoro, Alinne Moraes, Erom Cordeiro, Angie Cepeda



sinopse: O jogador de futebol Heleno de Freitas (Rodrigo Santoro) era considerado o príncipe do Rio de Janeiro dos anos 40, numa época em que a cidade era um cenário de sonhos e promessas. Sendo ao mesmo tempo um gênio explosivo e apaixonado nos campos de futebol, além de galã charmoso nos salões da sociedade carioca, tinha certeza de que seria o maior jogador brasileiro de todos os tempos. Mas seu comportamento arredio, sua indisciplina e a doença (sífilis) foram minando o que poderia ser uma grande jornada de glória, transformando-a numa trágica história.


análise: O belo Rio de Janeiro da década de 1940 capturado por uma fotografia em preto-e-branco, ora granulada, com a voz de Billie Holiday ao fundo. Esse é o majestoso visual que caracteriza o filme Heleno. Embora sirva para ampliar os momentos de glamour de seu protagonista (e assim mostrar por quê ele era comparado a Rita Hayworth), tal requinte técnico também se mostra potente ao se tornar vertiginoso e claustrofóbico para retratar as horas de desespero do jogador de futebol mais famoso de sua época.


Pena que tal rigor estilístico, tão bem coordenado pelo diretor José Henrique Fonseca (da série da HBO Mandrake), esteja a cargo de um roteiro tão inconsistente. Heleno de Freitas é apresentado aos espectadores já em seu declínio. Sua loucura é intercalada com os seus momentos de auge em flashback. Tanto a sua infância quanto o começo de sua carreira são ignorados pelo enredo. Ao invés disso, temos um triângulo amoroso com ares de novela das oito que predomina na primeira metade do filme. Trata-se de Heleno envolvido com Silvia (Alinne Moraes), mãe de seu único filho, e paralelamente com a cantora argentina Diamantina (Angie Cepeda), em um tórrido relacionamento extraconjugal. Embora tenha sido uma invenção do roteiro, de fato Heleno era famoso por sua fama de conquistador, o que o levou a contrair sífilis, doença que fez com que o jogador terminasse em um sanatório. Mas, enquanto a colombiana Angie Cepeda (de Pantaleão e as Visitadoras) é uma boa presença no longa, Alinne Moraes não surpreende ao limitar-se a uma atuação apenas mediana. É justo reconhecer que talvez Alinne tenha sido prejudicada por um trabalho de maquiagem não muito eficaz: a sensação é de que os anos se passaram para todos os personagens, menos para a sua Silvia.


A segunda metade de Heleno já foca mais na queda do jogador, a medida que a doença e o vício em álcool vão progredindo. E nessas horas, o filme cresce. José Henrique abusa de enquadramentos e closes dilacerantes que só evidenciam o irretocável desempenho de Rodrigo Santoro, que agrega mais uma atuação brilhante à sua coleção. Tudo isso em meio a fumaça de cigarros. Muita fumaça de cigarros.


A sensação final é de que o filme tinha tudo nas mãos para fazer um gol de placa: uma bela fotografia, uma espetacular reconstituição de época, uma direção segura e um protagonista bastante eficiente. Mas, graças ao roteiro que tenta fazer diferente das biografias em geral e termina desperdiçando turning points e carecendo de envolvimento, Heleno apenas bate na trave.

domingo, 25 de março de 2012

Weekend Movies: Jogos Vorazes


The Hunger Games/ Jogos Vorazes
direção: Gary Ross
elenco: Jennifer Lawrence, Liam Hemsworth, Woody Harrelson, Stanley Tucci

 
sinopse: Num futuro distante, boa parte da população é controlada por um regime totalitário, que relembra esse domínio realizando um evento anual - e mortal - entre os 12 distritos sob sua tutela. Para salvar sua irmã caçula, a jovem Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) se oferece como voluntária para representar seu distrito na competição e acaba contando com a companhia de Peeta Melark (Josh Hutcherson), desafiando não só o sistema dominante, mas também a força dos outros oponentes. Mas somente um dos participantes poderá sobreviver ao torneio.


análise: A distopia defendida por Jogos Vorazes encontra reflexos nas previsões cheias de ironia e nada animadoras feitas pelo escritor George Orwell através de clássicos como 1984. Trata-se da sociedade totalitária que se entretém com a desgraça de seus semelhantes desfavorecidos. The Hunger Games (no original), é baseado na trilogia best-seller de Suzanne Collins e desponta como o favorito para o ocupar o lugar de Crepúsculo e Harry Potter na preferência do público jovem. Em comparação à essas duas franquias, Jogos Vorazes, o filme, entra em campo com vantagens. Além de entreter, a história oferece nítidas possibilidades de crítica e reflexão através do contraste entre o futurismo de Panem, local fictício onde o filme se passa, e os hábitos atuais da sociedade em que vivemos.


A direção do norte-americano Gary Ross (de Pleasantville) nos envolve em um espetáculo que, claro, faz concessões ao cinemão blockbuster, mas também é audacioso o bastante para mostrar inteligência. Aqui, o já batido recurso de câmera trepidante se renova e amplia a eficiência da montagem nos momentos de ação. A protagonista Katniss, interpretada por Jennifer Lawrence, é apresentada à platéia através de uma delicada e bem-elaborada sequência de caça em uma floresta. Com um desempenho vigoroso, Jennifer Lawrence (já indicada ao Oscar por Inverno na Alma) oferece todo o seu carisma e beleza a Katniss, tornando-a irresistível. Trata-se de um jogo onde não há lado do bem ou do mal, todos lutam por um mesmo objetivo e em condições semelhantes. Mesmo que o longa não nos mostrasse tudo sob a ótica de Katniss, seria impossivel escolher outro personagem para torcer. Mais do que meros espectadores, viramos peça do tabuleiro sob a pele dela, vivendo em um futuro onde a alta sociedade é caracterizada pelo kitsch, ponto alto de um interessante trabalho de direção de arte. Em certos momentos, Katniss até foge do comum  e ganha ares de anti-heroína: não tem pudor de matar, se vingar ou de dar o que a audiência dos jogos (ou será do filme?) quer.


Tendo em mãos um roteiro que contou com a colaboração da própria escritora Suzanne Collins, Gary Ross resiste à tentação de apelar para a extrema violência ou uma ação ininterrupta, oferecendo assim uma produção que, em meio a diversão e o suspense, também consegue ser crítica, sensível e até lúdica. Jogos Vorazes é um caso raro de entretenimento com apelo adolescente, mas de qualidade.

domingo, 18 de março de 2012

Weekend Movies: Compramos um Zoológico


 We Bought a Zoo/ Compramos um Zoológico
direção: Cameron Crowe
elenco: Matt Damon, Scarlett Johansson, Elle Fanning, Thomas Haden Church


O diretor americano Cameron Crowe tem a sua filmografia marcada por personagens que buscam submeter-se a uma grande virada em um momento crítico. Seja o Jerry Maguire interpretado por Tom Cruise no filme homônimo de 1996, ou o jovem jornalista, vivido por Patrick Fugit, que mergulha de cabeça nos bastidores da turnê de um grupo de rock em Quase Famosos (2000). Ou ainda o quase suicida Orlando Bloom que encontra um novo sentido na vida ao voltar para a cidadezinha onde cresceu em Tudo Acontece em Elizabethtown (2005). Em Compramos um Zoológico (2011), quem opta por uma guinada como plano de fuga é o recém-viúvo Benjamin (interpretado por um Matt Damon meio rechonchudo). Sua esposa faleceu há seis meses e ele encontra dificuldades para lidar com os filhos e o trabalho. Benjamin resolve então largar tudo e se mudar com a família para o interior, comprando uma propriedade que inclui um zoológico à beira da falência. Até os próprios funcionários do local acham a idéia de Benjamin um tanto absurda, mas, não poupam esforços para ajudá-lo a reerguer o empreendimento. Dentre os empregados, temos a zeladora Kelly (Scarlett Johansson) que se envolve com o novo proprietário.


 Visivelmente concebido como um típico filme para as férias de final-de-ano, Compramos um Zoológico cumpre esse objetivo, mas peca por falta de ambição. Não se priva de alguns clichês do gênero, como a atribulada relação pai-e-filho, que é analisada superficialmente; o foco no urso selvagem que sempre foge e no tigre que sempre adoece; e a descoberta do amor na fase pré-adolescente vivida entre o filho (Colin Ford) e uma das jovens funcionárias do zoológico (a bela Elle Fanning, a irmã de Dakota). O filme também abandona a relação homem-e-animal para focar na família atravessando os estágios da perda, o que é uma boa idéia, porém, mal desenvolvida. Matt Damon está bem confortável no papel de pai de família. Se por um lado falta química no romance com Scarlett Johansson, suas cenas com a filha, interpretada por Maggie Elizabeth Jones, rende bons momentos. A trilha sonora, composta pelo músico Jónsi (líder da banda islandesa Sigur Rós) valoriza bastante as belas seqüencias filmadas na California, e é o ponto mais envolvente do filme.


Baseado no romance auto-biográfico de Benjamim Mee, Compramos um Zoológico carece da poesia e da emoção tão características nos longas anteriores de Cameron Crowe. É notável uma certa falta de foco, mas nada com grandes perdas e danos. Termina simpático e com potencial para futuro clássico sessão-da-tarde.

sábado, 17 de março de 2012

Weekend Movies: Hunger


Hunger
direção: Steve McQueen
elenco: Michael Fassbender, Liam Cunningham, Stuart Graham, Liam McMahon

 
Atualmente em cartaz com Shame, a parceria entre o diretor Steve McQueen e o ator Michael Fassbender teve início em Hunger. Já neste filme, de 2008, McQueen oferece as longas seqüências que transformam o espectador em verdadeiro voyeur da situação; revela um fetichismo físico pelo seu ator principal; e garante o envolvimento visual da platéia com cenas pesadas mas sutilmente filmadas. As mesmas características que posteriormente permitiram a Shame obter polêmica e elogios em (altos) níveis equiparados. Mas em Hunger assistimos de camarote a degradação física e psicológica de Bobby Sands (Fassbender), um terrorista do IRA que é detido numa prisão de segurança máxima na Irlanda do Norte e decide protestar a favor do status de crime político negado pelo governo britânico. Para isso, ele usa a única arma que tem: o seu corpo.


 Bobby entra numa longa greve de fome, através da qual exercitará os limites sobrehumanos. Por sua vez, McQueen faz questão de que nós acompanhemos passo a passo essa deterioração, através de um olhar muncioso e distante, mas nem por isso, menos impactante. Tudo valorizado pela impressionante composição de personagem feita por Michael Fassbender, num desempenho soberbo. Desde o início, que mostra o ponto de vista e o dia-a-dia de um dos guardas da prisão; passando pela longa conversa de 17 minutos em um único take entre Bobby Sands e um padre (Liam Cunningham), que tenta fazê-lo desistir da greve; até os últimos momentos de vida do detento, Hunger destila uma série de seqüências memoráveis e extremamente sensoriais. Cada sentimento dos personagens tem a capacidade de ecoar fora da tela. É a prova de que a dobradinha McQueen-Fassbender é mesmo mágica.

Weekend Movies: Habemus Papam



 Habemus Papam 
direção: Nanni Moretti
elenco: Michel Picolli, Nanni Moretti, Renato Scarpa, Jerzy Stuhr. 

 

Estreou ontem o mais recente trabalho do cineasta italiano Nanni Moretti, dono de obras incensadas pela crítica como Caro Diário (1994) e O Quarto do Filho (2000). A característica visão irônica do diretor também está presente em Habemus Papam (2011), um filme extremamente corajoso e autêntico que mergulha na intocável estrutura católica para mostrar a figura suprema da Igreja em plena crise existencial. Após a morte do Papa, o cardeal Melville (Michel Picolli) é o escolhido pelo conclave do Vaticano como seu sucessor. Logo na nomeação, Melville entra em crise por achar que não corresponde às expectativas de seus colegas e de Deus. Entra então em cena o psicanalista interpretado pelo próprio Nanni Moretti, com a função de tratar psicologicamente o novo Papa.


 
O roteiro, também de Moretti (que é assumidamente ateu), espertamente opta por não defender nem o catolicismo, nem a psicanálise. Ambos são alvos de críticas e de um olhar sarcástico, sempre divertidos. A profundidade emocional da história, no entanto, recai sobre a posição de Melville. É revelado ao espectador que ele, na verdade, sempre gostou de teatro e sonhava ser ator, embora não tivesse aptidão. O novo papa passa a refletir a respeito de sua realização pessoal - análise esta que facilmente contagia quem o assiste. Essa angústia do personagem é potencializada pelo esplêndido desempenho do grande ator francês Michel Picolli (dos clássicos A Bela da Tarde, O Desprezo e Esse Obscuro Objeto do Desejo), aos 86 anos e em plena forma. Além disso, a sempre competente mão de Nanni Moretti valoriza a rica fotografia e nos oferece takes visualmente belíssimos. Intitulado com uma expressão em latim que significa "temos um papa", Habemus Papam oferece uma inteligente experiência, ao mesmo tempo divertida e reflexiva, independente da orientação religiosa do espectador.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Michael Fassbender

Graças a sua performance em Shame (que estréia hoje nos cinemas do Brasil) Michael Fassbender foi um dos atores mais elogiados pela crítica em 2011. E, junto com Ryan Gosling, foi vítima de um injusto descaso da Academia do Oscar. Mas, este ator alemão de 34 anos já chamava atenção em vários projetos ao longo de sua carreira, por isso, achei válido fazer um rápido panorama de sua (eclética) filmografia. 


Depois de um papel pequeno em 300, de Jack Snyder, Michael Fassbender conseguiria seu primeiro protagonista em Hunger (2008), também o primeiro filme de Steve McQueen, com quem o ator voltaria a trabalhar em Shame. Ele interpretou Bobby Sands, um terrorista detento que liderou uma greve de fome em uma prisão na Irlanda do Norte e que pela qual estava disposto a levar tudo até os limites da capacidade humana. Para o papel, Michael emagreceu 16 quilos. Seu esforço lhe garantiu 6 prêmios, incluindo o de Melhor Ator pela associação de críticos de Londres. Fassbender e o ator Liam Cunningham dividiram um apartamento por algumas semanas, com o objetivo de treinar a cena, de 17 minutos, em que o padre interpretado por Liam tenta desestimular Bobby de fazer a greve. Os atores treinavam a sequência cerca de vinte vezes por dia. Hunger foi baseado em uma história real. 


O independente Fish Tank (Aquário, 2009), de Andrea Arnold, contribuiu para que Fassbender estabelecesse um prestígio perante a crítica inglesa e o cinema alternativo. Isso consequentemente levou Quentin Tarantino a escalá-lo em Inglorious Bastards (Bastardos Inglórios, 2009), para o papel do tenente Archie Hicox. Este é até hoje o filme de maior bilheteria de Tarantino e projetou o nome de Michael Fassbender no mercado norte-americano. Para atingir o objetivo de Tarantino, de dar a Archie um estilo parecido com o do ator George Sanders, Fassbender mergulhou em filmes da década de 1930 e 1940, captando um certo orgulho natural que emanava dos astros americanos naquela época.  


Em 2011, Fassbender fez par romântico com Mia Wasikowska (a Alice de Tim Burton) na 17ª adaptação para o cinema do clássico romance de Charlotte Brontë, Jane Eyre. Seu Edward Farfaix ganhou um ar natural de sedução e magnetismo, dando um diferencial para o longa dirigido por Cary Joji Fukunaga. O diretor, aliás, afirma ter percebido o espírito de Edward em Fassbender logo na seleção do elenco. Na época, Michael Fassbender afirmou que a forte admiração de sua mãe e de sua irmã pelo romance foi a primeira coisa que o motivou a fazer o filme.  


Michael Fassbender definitivamente atravessaria a barreira do mainstream hollywoodiano ao interpretar o jovem Magneto de X-Men: First Class (X-Men: Primeira Classe, 2011). A revista Entertainment Weekly classificou sua performance como “cool, intensa, suave e livre de afetações”, além de identificar um poder natural de “star magnetism” no ator. Fassbender afirma ter assistido o trabalho de Ian McKeller como Magneto nos outros filmes da série X-Men, mas optou dar novas nuances e um aspecto pessoal para deixar o seu personagem acima dos maniqueísmos.

 
Ainda em 2011, Fassbender esteve nas mãos do cultuado diretor David Cronenberg em A Dangerous Method (Um Método Perigoso), no papel do psicanalista Carl Jung. O filme explora o relacionamento extraconjugal de Carl com uma de suas pacientes, Sabina Spielrein (Keira Knightley) e a sua amizade com Freud (Viggo Mortensen). Quanto às teorias de Jung e Freud, Michael Fassbender se diz identificar mais com o lado Junginiano de ver as coisas: “Eu acredito que tudo é possível e muitas coisas no mundo são inexplicáveis (...) Eu gosto de pensar que há muito mistério por aí; a idéia de interconectividade”. 


Não foram só as cenas de nudez frontal que atraíram os olhos da crítica para Shame: a impressionante tour-de-force desempenhada por um Michael Fassbender livre de pudores, gerou uma aclamadíssima performance. O filme pode causar polêmica e dividir opiniões por onde passa, mas os elogios pela irretocável atuação de Fassbender como Brandon, um homem viciado em sexo, é sempre um consenso geral. Esta segunda parceria com o diretor Steve McQueen rendeu ao ator cerca de 16 prêmios, dentre eles o da Associação de Críticos de Los Angeles. Foi também indicado ao Globo de Ouro e o BAFTA, e era um dos favoritos ao Oscar. Segundo McQueen, “Os Estados Unidos tem muito medo de sexo” e seria a justificativa para a não-indicação de Fassbender pela Academia. Sobre ficar sem roupas diante das câmeras, Fassbender declarou: “O problema é com a idéia do nu masculino. Isso me deixa perplexo: mulheres desfilam nuas o tempo todo, mas o cara, convenientemente, está sempre de calças. Eu me lembro da minha mãe sempre reclamando disso: ‘Isso é injusto, são sempre as mulheres que estão nuas’... Então... eu fiz isso por você, mãe!”. Dentre os vários elogios ao trabalho de Michael Fassbender em Shame, um dos mais notáveis (e cômicos) foi o de George Clooney na entrega do Globo de Ouro: “Fassbender... você pode jogar golfe sem usar as mãos”. 


Vale a pena ficar de olhos atentos em Michael Fassbender durante 2012: o ator integra o elenco estelar do novo filme de Steven Soderbergh, Hayware, que conta com nomes como Ewan McGregor, Michael Douglas, Antonio Banderas, Bill Paxton e Channing Tatum, e cuja estréia nos cinemas brasileiros está prevista para o dia 20 de abril. Fassbender também estará nos novos projetos de Ridley Scott (Prometheus, com Noomi Rapace, e ainda The Counselor), Brendan Gleeson (estreando como diretor em At Swim-Two-Birds) e Steve McQueen (Twelve Years a Slave, que será o terceiro projeto consecutivo do diretor que é protagonizado por Michael).