Uma noite previsível e em clima de nostalgia. Assim pode se resumir a cerimônia do Oscar deste ano. Com a apresentação de um Billy Crystal já meio sem graça (é a nona vez que ele desempenha esse papel), a premiação seguiu linear, sem altos e baixos. A polêmica ficou por conta de Sacha Baron Cohen (de Borat e Brüno), que, divulgando o seu novo personagem, jogou cinzas em cima do repórter-metido-a-estrela Ryan Secrest, ainda no tapete vermelho. Resultado: Sacha foi expulso da premiação.
Sacha Baron Cohen e Ryan Seacrest
Não entendo por que investir em Billy Crystal mais uma vez. A idéia inicial era ter Eddie Murphy. Ano passado, tiveram fracasso escolhendo Anne Hathaway e James Franco. Que tal investir em comediantes mais novos como Steve Carrell, Will Ferrell, Jack Black, Tina Fey ou Kristen Wiig? Ok, se queriam optar pelos mais experientes por que não Steve Martin ou Whoopi Goldberg? O insosso Crystal tentou fazer piada com diversas menções à atual crise econômica. A mais notável delas foi chamar de "teatro da bancarrota" o Kodak Theatre, local onde se realiza a cerimônia do Oscar desde 2002. A empresa Eastman Kodak declarou falência e, consequentemente, rompeu o contrato com de patrocínio com o tradicional teatro de Hollywood.
Billy Crystal e o palco do Kodak Theatre
Já a vibe nostálgica ficou a cargo da apresentação do Cirque du Soleil e de depoimentos dados por diversos astros americanos sobre o primeiro contato deles com o cinema ou a importância que este exerce em suas vidas. Foram dois pontos altos da noite. É curioso como essas reverências ao cinema dialogam justamente com os dois filmes com o maior número de indicações da noite: O Artista (com 10) e A Invenção de Hugo Cabret (com 11). Embora de maneiras diferentes, ambos prestam homenagens aos primórdios da sétima arte.
Neste ano, cortaram tanto os vídeos que apresentam os indicados ao prêmio de Melhor Filme quanto as performances dos indicados a Melhor Canção Original. Eu particularmente gosto dos dois, mas, se é pra encurtar a cerimônia, tá valendo. Sempre demasiadamente longa, desta vez durou três horas. Excluíram também os discursos dos premiados pelo Oscar honorário em reconhecimento a trabalhos comunitários (Oprah Winfrey foi uma das vencedoras). Pelo menos, tivemos o tradicional vídeo de homenagem aos profissionais que morreram ano passado. É o tipo de coisa melodramática e clichê, mas que sempre me emociona. Tentando inovar, em vez de só o videoclipe, colocaram Esperanza Spalding cantando ao vivo What a Wonderful World, enquanto as fotos dos falecidos passavam ao fundo. Adoro Esperanza, mas alguém me explica a relação entre What a Wonderful World e a morte?
J-Lo pós-carnaval no Rio e Cameron Diaz
Das apresentações dos prêmios, as dobradinhas entre Jennifer Lopez e Cameron Diaz, Robert Downey Jr e Gwyneth Paltrow, Ben Stiller e Emma Stone, e as meninas de Bridemaids (que repetiram o hilário drinkgame envolvendo Scorsese) realmente divertiram. Colin Firth e Natalie Portman, vencedores como Ator e Atriz ano passado, utilizaram mini-discursos para apresentar os indicados deste ano. Foram emocionantes, principalmente os do (sempre gentleman) Colin. Angelina Jolie entregou o prêmio de Melhor Roteiro Adaptado extremamente magra, mas exercendo sua persona femme fatale. O resto das apresentações soou meio burocrático, como de costume.
Angelina Jolie no red carpet
Coincidentemente (será que existem mesmo coincidências em Hollywood?), os dois favoritos da noite, O Artista e A Invenção de Hugo Cabret, levaram a mesma quantidade de estatuetas: cinco. Enquanto o longa francês levou três das categorias mais cobiçadas (Filme, Diretor e Ator), o filme de Martin Scorsese ganhou apenas em categorias técnicas: Efeitos Visuais, Mixagem de Som, Edição de Som, Fotografia e Direção de Arte. A Invenção de Hugo Cabret é um primor técnico, muito bem produzido e visualmente é de encher olhos. Até já havia uma corrente que previa o sucesso dele nas categorias técnicas como um prêmio de consolação, já que seria inevitável laurear O Artista, atual queridinho de Hollywood, nas categorias principais.
Octavia Spencer
Se tem alguém responsável pelo caráter previsível da festa do Oscar, esse alguém é justamente a indústria cinematográfica. São inúmeras as premiações realizadas nos meses que precedem à votação da Academia: tem o tradicional Globo de Ouro; os Sindicatos de Atores, Diretores, Produtores, Roteiristas, entre outros, também elegem seus próprios favoritos; o Independent Spirit Awards, homenageia os filmes independentes; etc. Seus votantes são praticamente os mesmos da academia. Por isso era barbada apostar em Octavia Spencer e Christopher Plummer, que venceram o Oscar na categoria Coadjuvante. Ambos foram praticamente unanimes nas outras premiações. Esse foi o caminho trilhado também por Meia-Noite em Paris e Os Descendentes, como Roteiro Original e Adaptado, respectivamente. Sempre avesso à premiações, o roteirista e diretor de Meia-Noite em Paris, Woody Allen, não apareceu por lá pra receber o prêmio. O iraniano A Separação, levando por Melhor Filme Estrangeiro, da mesma forma não fugiu a regra da previsibilidade.
Dizem que brasileiro não desiste nunca e isso justifica a crença em levar o prêmio de Melhor Canção Original com a animação Rio. Concorreu com apenas outro filme, mas esse era justamente Os Muppets, que tem um valor sentimental grande pros americanos. E a música Man or Muppet é de Bret McKenzie, cara que faz parte da série cômica Flight of The Conchords (HBO), bastante querido tanto por lá quanto no Reino Unido. Tem também um forte apelo indie. Particularmente, acho a canção de Bret bem melhor do que a de Carlinhos Brown.
Também não fiquei surpreso com a justa vitória de Meryl Streep como Melhor Atriz, graças à impressionante personificação de Margaret Tatcher. Embora Viola Davis tenha sido eleita pelo Sindicato dos Atores, Meryl já estava na sua 17ª indicação e há 29 anos não levava uma estatueta pra casa. Meryl Streep também já tinha ganhado há dois anos pelo Sindicato, e isso talvez justifique a preferência deles por Viola neste ano. Ou também eles já tinham votado na atriz de Histórias Cruzadas como um prêmio de consolação, para focar em Meryl no Oscar sem peso na consciência. Mas Viola Davis é uma ótima atriz e tem um grande caminho pela frente. Não vai demorar muito pra faturar uma estatueta também. De qualquer forma, Meryl Streep estava belíssima, toda de dourado e fez um discurso emocionante: "Quero agradecer muito a vocês, já que acredito que eu nunca mais vou estar aqui". Uma verdadeira diva. Meryl, por mim, você poderia ter ganhado todas as 17 vezes.
Meryl Streep e Jean Dujardin
Mas o lado positivo de ver a Academia seguindo as previsões foi o fato de premiar O Artista, não só em Trilha-Sonora e Figurino, mas em Melhor Ator, Diretor e Filme. É um provável fim da fama xenófoba que perseguiu o Oscar ao longo de todos esses anos. Jean Dujardin esteve de fato brilhante como o ator George Valentin, seu desempenho bisa a excelência de mestres como Buster Keaton e Harold Lloyd. Mas não sinto que ele tenha futuro além da comédia, parece ator de um papel só. Veremos em seus próximos filmes. Mas santo de casa não faz milagre e ele perdeu o César, considerado o Oscar francês.
Já Michel Hazanavicius é bom diretor? Sim. Um grande diretor, a ponto de ser o primeiro estrangeiro a quebrar a barreira e ganhar um Oscar por um filme de língua não-inglesa? Não necessariamente. Verdadeiros mestres do cinema francês como François Truffaut, Jean-Luc Godard, François Ozon, Claude Chabrol, Jacques Tati, entre outros, não conseguiram tal feito. Por que Hazanavicius sim? Claro que a monstruosa divulgação da distribuidora, a Weinstein Brothers, responsável também por Guerra ao Terror e O Discurso do Rei (vencedores do Oscar nos anos anteriores) ajudou bastante. Na última semana de votação dos membros da academia, Jean Dujardin estava presente em praticamente todos os talk-shows americanos e até mesmo no Saturday Night Live. Mas O Artista é o tipo de projeto que apareceu no lugar certo e na hora certa. Justamente quando a indústria, assustada pela crise, apela para o nível mais evoluído possível de efeitos tecnológicos, a fim de angariar espectadores, chega um filme que dispensa tudo isso. E ainda por cima, lembra que é possível entreter e emocionar dispensando até mesmo a cor e o som. O apelo nostálgico de O Artista revelou-se um frescor no circuito cinematográfico. A percepção de achar a hora certa pra fazer tal projeto e a coragem de encabeça-lo são méritos de Michel Hazanavicius. Sim, coragem, porque obviamente foi um filme dificílimo de encontrar financiamento. Tanto que o casal principal Berenice Bejo e Jean Dujardin são, na verdade, sua esposa e seu amigo na real life e o orçamento foi de apenas 15 milhões de dólares. Hoje está rendendo na casa dos 60 milhões. Foi uma realização verdadeiramente pessoal, demorou 12 anos pra sair do papel. Julgo que a dedicação e a persistência em fazer algo, que a vista de muita gente seria um verdadeiro fracasso, tenha sido o grande diferencial de Michel Hazanavicius e seu O Artista.
a equipe de O Artista recebendo o prêmio principal da noite
Falam muito de uma tal crise criativa que assola a indústria cinematográfica norte-americana. Discordo. Em 2011 tivemos ótimos filmes, sendo que vários deles nem foram lembrados pela Academia (Drive é o caso mais gritante). E grande parte dos indicados são bem melhores que O Discurso do Rei. Concordo que há temos não temos um arrasa-quarteirão do porte de Titanic (1998), mas, criativamente falando, acho que o cinema norte-americano não vai tão mal assim. Agora, preparem-se para a enxurrada de filmes que reverenciam o cinema no estilo saudade-daquilo-que-não-vivi. Odeio me alongar demais em posts, mas é Oscar e isso só tem uma vez por ano. Agora sim começa 2012 de verdade (pelo menos em termos cinematográficos).
quem precisa de Woody Allen quando se tem o Uggie?